A menos que haja uma
reversão das expectativas dos empresários, o Brasil tende a experimentar em
2015 uma reversão da tendência de ganhos reais de salários e queda do
desemprego, segundo economistas, órgãos de pesquisa econômica e entidades de
classe.
No rastro da
indústria de transformação, que vem liderando perdas de vagas, segmentos também
intensivos em mão de obra, como construção civil, comércio e serviços podem
engrossar anúncios de cortes de vagas.
"Vai
depender das expectativas; há várias armadilhas, com a indústria podendo
contaminar outros setores", disse à Reuters o coordenador do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Airton dos
Santos.
Um sinal de
que um cenário menos benigno está se desenhando veio na semana passada, quando
o Caged mostrou que o país fechou
30.283 vagas formais de trabalho em outubro, primeira queda para o mês na
série aberta em 1999. Mas não é o único.
Para
Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV,
além de menos vagas criadas --queda de 38% ante os primeiros 10 meses de
2013--, a diferença entre salários de demitidos e contratados tem crescido,
outro sinal ruim. É o que a Contraf-CUT, confederação nacional dos empregados
de bancos, diz que o setor está fazendo, além do corte líquido de 3,4 mil
postos de janeiro a outubro. "Isso está contribuindo para queda do
rendimento médio das famílias", disse Barbosa Filho.
O ganho real
dos salários também vem perdendo força. Segundo o Dieese, o ganho acima da
inflação neste ano foi de, em média, 1,5 ponto, ante 2,5 pontos em 2013. Para
economistas, a renda média menor tende a levar pessoas fora do mercado a voltar
a procurar trabalho.
Esses dados
do Dieese e do Caged conflitam com os do IBGE, que anunciou que o desemprego
nas seis principais regiões metropolitanas do país foi de 4,7% em outubro, piso para o mês na série que
começou em 2002.
Como o
critério do IBGE leva em conta pessoas procurando trabalho, a taxa de
desemprego tenderia a subir nos próximos meses, segundo economistas, mesmo se
não houver aumento das demissões. A equipe de pesquisa do Bradesco prevê que a
taxa média de desocupação subirá para 5,7% entre 2014 e 2015. Já o Morgan
Stanley prevê aumento da taxa para 6,1% ao fim do ano que vem.
"De
agora em diante pode haver uma reversão nos números de desemprego motivada por
dois fatores simultâneos: mais demissões e mais gente procurando emprego",
disse o economista do Insper João Manoel Pinho de Melo.
Segundo ele,
com o aumento da renda nos últimos anos, muitas famílias podem ter acomodado
pessoas que ficaram fora do mercado e a queda da renda traria parte desse
contingente de volta.
"A
dimensão desse movimento pode revelar que peso isso teve na redução da força de
trabalho, que colaborou para que as taxas de desemprego batessem mínimas
históricas, mesmo num cenário prolongado de baixo crescimento econômico",
disse Melo.
Em paralelo
a esse movimento, alguns setores da economia podem efetivar a decisão que vêm
segurando há meses, enquanto aguardavam um repique da economia, que não veio.
Um dos casos mais emblemáticos é o da cadeia automotiva.
As
montadoras de veículos fecharam outubro com menos 12,6 mil vagas ocupadas sobre
um ano antes, a 147 mil posições. O setor tem suspendido contratos de trabalho
de funcionários diante de queda de vendas no mercado interno e nas exportações
e tem pleiteado ao governo a expansão do mecanismo para além do seu prazo legal
de cinco meses de vigência.
A fraqueza
no setor automotivo, responsável por mais de 20% do PIB industrial brasileiro,
tem implicações para toda a cadeia, como as fabricantes de autopeças, setor
para o qual o UBS prevê um cenário desafiador nos próximos dois anos.
"A luta
do setor agora é por redução de custos em geral e isso inclui mão de
obra", disse o presidente da associação de montadoras de veículos,
Anfavea, Luiz Moan. "Não tivemos ganhos de produtividade no mesmo ritmo
(que os salariais). Os custos subiram muito acima da produtividade."
Outros subsetores da indústria podem ir pelo mesmo
caminho, como o têxtil, que já cortou 14 mil vagas nos últimos 12 meses, e o de
materiais de construção. Só no estado de São Paulo, o setor industrial demitiu
51 mil empregados de janeiro a outubro, pior resultado da série iniciada em
2006, segundo a Fiesp, que estima fechar o ano com saldo negativo de mais de
100 mil vagas.
"Os salários têm crescido
acima da produtividade. Isso significa custo às empresas, especialmente às
indústrias que têm que competir no mercado internacional", disse Guilherme
Mercês, Gerente de Economia e Estatística do Sistema Firjan,
A construção civil, que eliminou
mais de 33,5 mil postos em outubro no Brasil, de acordo com o Caged, também
está em alerta.
Segundo o presidente Secovi-SP,
Claudio Bernardes, o nível de emprego no setor pode seguir sendo afetado em
2015. Na cidade de São Paulo, as vendas do setor no acumulado do ano até
setembro caíram 43,8% ante 2013, e os lançamentos recuaram 15,4%.
A Fecomercio-SP prevê crescimento
zero das contratações do setor neste fim de ano ante igual etapa de 2013, com
promessa de pressão no começo de 2015, dada a combinação de inflação elevada e
juros em elevação, o que pressiona a intenção de compra dos consumidores e, por
decorrência, os empregos no setor.
"Temos a sensação de que esse
quadro está se reproduzindo em outras regiões do Brasil", disse a
assessora econômica da Fecomercio-SP, Julia Ximenes.
Para economistas, esse cenário
tende a fazer com que a agenda dos sindicatos, nos últimos anos bastante
concentrada em ganhos reais de salários, migre para a proteção dos empregos.
Representantes de trabalhadores
tentam se manter otimistas.
"A maioria das categorias deve
seguir tendo aumento real de salário e o nível de emprego deve se manter",
disse o secretário-geral da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), Emanuel
Cancella.
No entanto, algumas pistas de menor
combatividade dos sindicatos já têm aparecido. Há duas semanas, funcionários da
Embraer encerraram uma greve, mesmo sem a companhia atender um pleito por
reajuste salarial acima de 7,4%.
Após o Dieese mostrar desaceleração
dos ganhos salariais, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), maior órgão
sindical do país, procurou o órgão para "tentar entender o que está
havendo", disse à Reuters uma fonte a par do assunto.
Consultada, a CUT não se pronunciou
oficialmente.
Fonte: G1
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